Introdução
Autismo e fotobiomodulação transcraniana – será este um binômio possível?
O transtorno do espectro autista (TEA) é uma condição neuropsiquiátrica heterogênea, caracterizada por dificuldades na comunicação social e comportamentos repetitivos, e para a qual ainda não existe cura. As intervenções atuais baseiam-se principalmente em terapia comportamental e manejo de sintomas com medicamentos, com benefícios limitados em muitos casos.
Diante desse cenário, uma abordagem inovadora desponta no horizonte: utilizar luz de baixa intensidade (NIR) aplicada ao crânio para modular a função cerebral.
Essa técnica, conhecida como fotobiomodulação transcraniana (tPBM), vem ganhando atenção em pesquisas recentes por seu potencial de modular sintomas centrais do TEA, com poucos efeitos adversos relatados em estudos iniciais.
Neste artigo, exploramos as evidências clínicas mais atuais sobre tPBM no TEA, discutimos os fundamentos neurobiológicos que embasam essa terapia e explicamos seus mecanismos de ação.
Autismo e fotobiomodulação transcraniana: evidências clínicas emergentes da tPBM no TEA
Pesquisas clínicas sobre tPBM em autismo ainda são iniciais, porém os últimos anos trouxeram resultados animadores.
Estudos-piloto e ensaios clínicos – tanto em adultos quanto em crianças – indicam melhora de sintomas do espectro autista com a terapia de luz. A Tabela 1 resume os principais estudos disponíveis até 2025.

Os resultados acima demonstram um padrão consistente: a tPBM tende a reduzir a gravidade dos sintomas autísticos (medidos por escalas clínicas padronizadas) e melhorar aspectos específicos como interação social, comunicação, atenção e comportamentos repetitivos.
Importante destacar que nenhum estudo reportou efeitos adversos graves; quando presentes, efeitos como leve cefaleia ou insônia foram transitórios e não impediram a continuidade da terapia.
Autismo e fotobiomodulação transcraniana: fundamentos neurobiológicos do TEA
Os efeitos observados da tPBM no TEA ganham plausibilidade quando examinamos a neurobiologia do autismo. O TEA é associado a uma série de alterações cerebrais: disfunções sinápticas e metabólicas, conectividade neural atípica e neuroinflamação crônica.
Muitos indivíduos com TEA apresentam desequilíbrio excitatório-inibitório em circuitos corticais, possivelmente relacionado a mutações gênicas (por exemplo, SCN2A) que afetam a excitabilidade dos neurônios. A hipótese é que a perda de sódio reduz a retropropagação do potencial de ação nos dendritos, prejudicando a plasticidade e a força sináptica.
Há evidências de ativação imune no cérebro – microglia reativa e altos níveis de citocinas inflamatórias em jovens com autismo – sugerindo um estado neuroinflamatório que pode prejudicar o desenvolvimento cerebral. Alterações em redes funcionais também são descritas, como um padrão anômalo na rede de modo padrão (DMN) responsável pela autorreferência e socialização.
No nível sistêmico, muitos pacientes apresentam comorbidades gastrointestinais e imunológicas, indicando potencial envolvimento do eixo intestino-cérebro na patogênese do TEA.
Metabolismo energético e disfunção mitocondrial
Um dado especialmente intrigante recai sobre o metabolismo energético: pesquisas demonstram que uma parcela significativa de indivíduos com TEA possui disfunção mitocondrial subjacente. Em um estudo seminal, cerca de 80% das crianças autistas avaliadas apresentaram biomarcadores de função mitocondrial anormal.
Essa alteração no fornecimento de energia celular no cérebro em desenvolvimento poderia contribuir para atrasos cognitivos e comportamentos do TEA. Com efeito, essa constelação de fatores – baixa bioenergética cerebral, inflamação, conectividade alterada – define múltiplos alvos potenciais que uma intervenção terapêutica poderia tentar modular.
É justamente nesse ponto de interseção conceitual que a fotobiomodulação transcraniana se destaca. Como uma luz infravermelha poderia influenciar sinapses, mitocôndrias e microglia?
A resposta reside na biofísica: a luz penetra alguns milímetros no tecido cerebral e interage com moléculas específicas dentro dos neurônios e glia, desencadeando cascatas bioquímicas.
Assim, muitos dos processos neurobiológicos disfuncionais no TEA – metabolismo sináptico, inflamação, conectividade neuronal – podem ser parcialmente realinhados pelos efeitos da luz, conforme discutiremos a seguir.
A ideia de tratar autismo com um feixe luminoso passa a ser menos fantasiosa diante da convergência entre as vulnerabilidades biológicas do TEA e os mecanismos de ação da tPBM.
Autismo e fotobiomodulação transcraniana: da mitocôndria à conectividade neural
A fotobiomodulação transcraniana utiliza luz vermelha ou infravermelha de baixa intensidade para estimular processos fisiológicos celulares em um fenômeno conhecido por efeito biofotônico. Diversos mecanismos de ação foram identificados em nível molecular, celular e de sistemas.
Bioenergética mitocondrial
O alvo primário da luz nas células é a mitocôndria – especificamente a enzima citocromo c oxidase, componente da cadeia respiratória que absorve fótons na faixa do infravermelho.
A absorção da luz leva ao aumento da atividade dessa enzima, resultando em síntese aumentada de ATP, a moeda energética celular. Com mais energia disponível, neurônios podem sustentar melhor suas funções e ativar vias de plasticidade.
Além disso, a fotobiomodulação modula espécies reativas de oxigênio e ativa fatores de transcrição pró-sobrevivência, estimulando a expressão de proteínas reparadoras e fatores tróficos (como o BDNF).
Em modelos experimentais, essa cascata se traduz em maior neurogênese e sinaptogênese, indicando que a tPBM pode ajudar a “reenergizar” circuitos neuronais hipoativos.
Vasodilatação e oxigenação cerebral
A luz também é absorvida por cromóforos no sangue (oxi-hemoglobina e desoxi-hemoglobina) e por moléculas como o óxido nítrico (NO) ligado à citocromo oxidase.
A fotobiomodulação provoca a liberação de NO, um potente vasodilatador, levando à melhora da microcirculação cerebral e à oxigenação do tecido. Estudos por neuroimagem mostram aumento do fluxo sanguíneo cerebral e do volume de oxigênio em regiões pré-frontais após tPBM.
No contexto do TEA, em que podem ocorrer áreas de perfusão subótima, essa maior irrigação cerebral pode otimizar o ambiente metabólico para o funcionamento neural. Ademais, a perfusão aprimorada contribui para “acalmar” a chamada névoa mental, melhorando a clareza cognitiva e até aspectos de sono, como relatado em intervenções com tPBM.
Infrallux e Neurollux: os benefícios da fotobiomodulação transcraniana
Em contexto clínico brasileiro, soluções de tPBM já estão acessíveis tanto a médicos quanto a pacientes. A Cosmedical disponibiliza um boné de LEDterapia para uso domiciliar e um capacete profissional para profissionais da saúde, ambos utilizando luz infravermelha próxima (NIR).
Isso significa que, fora dos protocolos de pesquisa, famílias e profissionais já começam a experimentar essa tecnologia de forma controlada. Naturalmente, recomenda-se acompanhamento médico, apesar da ausência de contraindicações absolutas relatadas na literatura médica.
Por ora, os dados técnicos disponíveis inspiram confiança de que a tPBM, quando aplicada dentro dos parâmetros seguros já investigados, oferece uma relação risco-benefício muito favorável no TEA.
Autismo e fotobiomodulação transcraniana: conclusão
A convergência entre autismo e fotobiomodulação transcraniana representa uma confluência fascinante entre luz e neurociência.
O que antes poderia soar como ficção – atenuar sintomas de TEA com fotoestimulação cerebral – hoje se apoia em uma base científica sólida e em resultados clínicos preliminares encorajadores.
Estudos até 2025 sugerem que a tPBM pode melhorar a sociabilidade, comunicação, atenção e reduzir comportamentos repetitivos em indivíduos com TEA, desde crianças pequenas até adultos. Esses benefícios refletem os múltiplos mecanismos de ação da terapia, que age simultaneamente como bioenergizador celular, vasodilatador cerebral, anti-inflamatório neural e modulador de circuitos.
Em outras palavras, metaforicamente, a luz infravermelha consegue “conversar” com o cérebro em sua própria linguagem bioquímica, estimulando capacidades intrínsecas de reparo e adaptação.

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